The Project Gutenberg EBook of Anthero do Quental, e Ramalho Ortigão, by 
Álvaro do Carvalhal

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Title: Anthero do Quental, e Ramalho Ortigão

Author: Álvaro do Carvalhal

Release Date: June 1, 2010 [EBook #32645]

Language: Portuguese

Character set encoding: ISO-8859-1

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Anthero do Quental, e Ramalho Ortigão

 

 

 

 

COIMBRA—IMPRENSA DA UNIVERSIDADE

{3}

 

CARTA
A
A. D'AZEVEDO CASTELLO-BRANCO

Amigo! Contente com a alma sublimemente burgueza, que tu me conheces, vejo com pasmo, do limiar da minha porta, desfilar a soberba cohorte dos predestinados, que vão quebrando lanças em prol do bello, do ideal, do justo, por elles espremidos em guindadas theorias, capazes de reduzirem as cabeças mais bem construidas e duras á triste condição de um fructo podre de maduro. Vejo-os, e não com indifferença, porque sou curioso e adoro tudo o que me dá assumpto para o mexerico. Ora bem; o mexerico: ahi tens a razão principal da minha carta; ahi tens a razão porque descruzo as mãos de sobre o abdomen para tomar a penna do escriptor. E que escriptor!

Além d'isso acrescia em mim o desejo de te offerecer um delambido manjar, com que podesses, se te aprouvesse, augmentar a abundancia, que se accumula sobre a mesa dos perdularios e lambareiros colleccionadores.{4}

É tal porem a nossa terra, tal a natureza das relações, que apertam seus habitantes, que nem sempre ha permissão de se abrir á luz do dia um pensamento franco, por inoffensivo que seja. Assim dou razão do modo arrastado e fadigoso, porque apparece a minha tardia carta.

Ha muito que anda, a coitada, no extravio d'esses correios. Veremos se pela nova forma, que hoje lhe dou, logra emfim chegar-te ás mãos. Perdeu ja todas as pretencões a levar-te novidade; pois não é muito que rumoreje em Villa-Real o que, por cá, é objecto das quotidianas palestras.

Nada obsta, todavia, a que conversemos amigavelmente; e muito mais quando se tracta de um teu amigo, e teu companheiro, lá nos venturosos tempos, em que ainda eras academico.

Fallo do sr. Anthero do Quental.

E, já que transpareceu na téla, d'elle me occuparei primeiro; mesmo porque o conheço mais de perto: de o ver passar na rua, e de lhe fallar ás vezes.

Conhecel-o não é ser seu amigo; não é seguir-lhe as ideias; não é pôr cobro á imparcialidade.

É pois—necessito que o creias—é sem lisonja, consciencioso, imparcial, que me abalanço a esboçar-lhe aligeirado perfil do retrato litterario, correndo a vista por esses arraiaes agitados e accesos em contendas porfiosas de litteratura.

A carta do sr. Anthero—primeiro grito de alarma—fez mais que mostrar-nos um talento, revelou-nos um caracter. A dignidade das letras—além de ser novo attestado do conceito em que tinhamos seu auctor, veio confirmar as ideias anteriormente expendidas.

Eis o que o sr. Ramalho Ortigão está disposto a não conceder por forma alguma.

Eu conhecia este escriptor portuense por um retrato grosseiro, traçado por alguns malquerentes, de que nunca se livrou o homem mais cauteloso, uma vez que tomou para{5} si a missão de julgar das cousas a seu bel-prazer, com franqueza ou sem ella, sem curar muito em se adequar ao gosto e sabor das multidões. Alguma cousa me dizia, porem, que o retrato tinha seu quê de infiel. E, com effeito, o escripto, que hoje me veio á mão, acabou de me desenganar.

O pequeno folheto do sr. Ortigão, pequenissimo para o grande titulo, que o decora, porque se chama—Literatura d'hoje, é um como espelho em que se não perde, me parece, uma feição do auctor. Elle mesmo mostra desejal-o, porque dá relevo, com frequencia e não sem calculo, á sua individualidade, como se lhe pesasse deixal-a nas sombras do quadro. É o homem das cidades, que se vae sentar, com o seu charuto, em frente do confortativo fogão com a paxorra de um sybarita, ancho como um professor, que legisla do cimo da sua poltrona o despotismo da palmatoria, terror dos meninos, que não sabem a lição. Na linguagem é, a meu ver, perfeito. Não cede livre curso á imaginação para não atropellar o bom-senso; nem, tão pouco, rebaixa a dignidade de escriptor á grosseria de termos plebeus. Suas ironias e sarcasmos são, por assim dizer, aristocraticamente petulantes e azedos. A palavra apparece rigorosa, e sem esforço, á evocação da ideia suggerida. E não é facil entrever-lhe brecha por onde possa infiltrar-se algum travor do ridiculo. Todavia fica a gente desconsolada por ver manchado todo esse asseiado composto na sordida pobreza de verdade.

Que me não queira mal pela sinceridade. É a minha unica arma. Veremos se saberei dar-lhe, com ella, plena satisfação em boas razões; boas ou más, consoante as tenho.

Mas, antes de ir mais longe, quero prevenir-te, meu Castello-Branco, de que não sou tão presumpçoso, que ouse criticar. Havia de fazel-o se soubesse. Assim, venho simplesmente fazer-te a innocente declaração do modo como avalio o escripto do sr. Ortigão em face dos escriptos do sr. Anthero.{6}

Este, disse eu, que, na sua carta, productora d'esses alvorotos revidos e impotentes, offerecera á luz do dia o fiel traslado do seu caracter. E quem deixará de ver do tumultuar harmonioso d'aquella magnifica phrase, naquella prosa eloquente, a declaração de intimas convicções, depuradas, pelo fogo da imaginação, num estudo aturado, serio e reflectido?

O sr. Anthero tem alguma cousa da inflexivel virtude do homem primitivo, que não cáe bem no ambiente, saturado de artificio e de impostura, em que vivemos. Vê até longe, pela intelligencia, os vicios e as degradações sociaes, e quer passar pelo meio d'elles impolluto, com a mão na consciencia, despreoccupado das glorias do mundo, sempre austero e sobrio. Sente, e diz o que sente numa linguagem toda d'alma, sem se importar com o agrado ou desagrado do sr. Ortigão. Bem ou mal acolhido nada parece ter com isso. Olha mais á dignidade do homem do que á chilra ostentação do litterato. Isso, porem, está longe de significar que saiba tragar um insulto com evangelica paciencia.

Ahi tens os homens e os escriptores.

Não digo que não seja falsa a minha apreciação. Se for, desde já rejeito o aphorismo bem sabido de todos—o estylo é o homem.

Mais um arredondamento e um colorido nas feições, e podemos seguil-os no combate.

O escripto do sr. Ortigão constitue uma galeria, enriquecida de retratos, que o auctor intenta caricaturar, esquadrinhando laseiras ou disformidades onde são perfeitas as formas, e velando chagas onde ellas são manifestas. Tem um modo seguro e dogmatico de dizer as cousas, que enrodilha e leva a imaginação descuidada na sinuosa compostura de bem jogadas palavras, dispostas com criterio um tanto acima do ordinario, e tambem com não ordinaria e decidida—má-fé. Desagradou-me, e desagradaria a todos,{7} a crueza sarcastica com que assetteia o sr. Castilho, que, de qualquer maneira que o apreciemos, seja elle como for, quaesquer que sejam as suas intenções, merece ser venerado pelos vastissimos conhecimentos adquiridos em tantos annos de estudo e, em parte, patenteados numa prosa, que ninguem excedeu ainda; ou mesmo, e principalmente, pelas traducções, que o sr. Ortigão menospreza, e que, todavia, são thesouros de riqueza para uma lingua, e modelos preciosos para os que aprendem. Nos seus livros tem elle—é crença minha—um escudo poderoso e magico contra o qual se quebrarão as armas mais bem temperadas de seus detractores. Attribuem-lhe, é certo, actos que o deslustram, pouco generosos, e pouco nobres, que poderiam ser filhos, como eu cuido, da simples e ephemera vaidade de deixar na sua passagem seu nome celebre, preso a alguma anecdota ainda mais celebre, que o fizesse lembrado na praça, no café, na familia. Não é raro encontrarem-se caprichosinhos de similhante jaez em agigantados talentos. São estes, porem, como a seara luxuriosa e medrada, que esconde e afoga, nas opulencias de seu viço, as enfezadas parazitas, que se lhe enroscam no pé, só visiveis a olhos de lynce, ou a olhos de alguem que, mal intencionado, de proposito as rabusca.

O litterato porem faz esquecer essas pequeninas cousas.

E, se a alguem, offendido, por qualquer motivo, assistia o direito de lhe exprobrar a culpa, esse, quer-me parecer, não devia ser nunca, quem não acha recursos na mais pura lealdade.

Não imagino que alguma cousa possa affligir e irritar tanto o melindre e vaidade do escriptor como a cavilosa estrategia do critico, que se afez a arrastar-lhe as ideias verdadeiras e boas no labutar de palavras, que elle torce e retorce, amoldando-as a contrario sentido com grave detrimento da boa hermeneutica. O sr. Ortigão, neste ponto, é critico muito para ser receiado.{8}

Como me distraem occupações mais serias contento-me em citar um ligeiro exemplo, dando de mão a algumas das asserções anteriormente aventadas, que eu me reservo confirmar quando m'o exijam. Isto, porque já me tarda a entrada no campo em que, Ruth de novo genero, me propuz respigar.

Saboreia tu, meu Castello-Branco, a estrategia, que abaixo descubro, e aconselho-te que pautes por esta todas as outras, que elle por ahi recortou em imagens de polpa, e por vezes elegantes.

Disse o sr. Castilho, criticando o Poema da mocidade, na fallada carta ao editor, disse que a poetica hodierna concede até certo ponto mesclar-se o burlesco pelo serio; e comprovou-o com a citação do D. João de Byron, do Diablo mundo de Espronceda, etc., accrescentando, em remate, que ao poeta, em questão (o sr. Chagas) não convinha imital-os.

Isto a proposito de certas desgraciadas e truanescas concepções, desenvolvidas em versos chocarreiros e unctuosos no malaventurado poema de supradicto poeta. Nada mais justo, e mais para se louvar, do que a delicada solicitude de mestre e de amigo com que o sr. Castilho reprehende sem offender.

E queres saber a conclusão tirada pelo sr. Ortigão? Brada que não pode ser aquillo tomado a serio; que o sr. Castilho zombava quando tal disse, e, muito mais, porque, decorridas poucas linhas, elogia aquelles versos tristes, que dizem que

as folhas seccas caiam
com leve bulha no chão,

versos comparados a outros versos tristes de Myllevoye.

E prosegue clamando que a autoridade d'este moço, de intelligencia quasi ephemera, é cruelmente anteposta ao{9} exemplo dos gigantes, que reformaram as litteraturas de Hespanha, Inglaterra e França.

Como se engana o sr. Ortigão! E como é para lastimar que a sua espiritada intelligencia se demore nestes sophismasinhos escholares!

O sr. Castilho não denota, numa palavra sequer, preferencia a Myllevoye. Nem ao menos o compara com Byron, Espronceda, etc. O que elle faz é aconselhar cortezmente o sr. Chagas a deixar o infatuado e infantil intento de seguir as pisadas de Byron. Aconselha-o como a prudencia aconselharia o temerario icaro da fabula a não se avisinhar do sol, se estimava em alguma cousa a tolissima existencia e as pobres azas de cêra. E já assim não acontece com Myllevoye, que o proprio esmiuçador portuense confessa, sem quebranto da historia, que era dotado de quasi ephemera intelligencia, e que portanto podia, com um pouco de exagero, ser apontado como norma, e servir mesmo de confronto ao sr. Chagas, que, apesar do afamado poema, tenho para mim que lhe não falta merecimento.

É por outra forma mais liza, mais portugueza, mais nobre, que o sr. Anthero encara na sua carta o chamado principe dos nossos poetas. Arrebatou-me aquella linguagem austera e verdadeira. Digo verdadeira, porque é sentida e franca, e não, de certo, porque o meu humilissimo entendimento ouse partilhar taes ou similhantes ideias.

Appareceu o athleta como era desejado, á maneira dos typicos luctadores da estatuaria grega; appareceu descoberto e desassombrado, porque vinha forte nas suas convicções.

O sr. Ortigão tambem appareceu; mais prudente de certo, mas bem mais astuto e aggressivo. Pediu forças lizas e combateu, afagando os antagonistas, conduzindo-os por comoros de flores para os presentear com envenenados bouquets.

Onde estão as forças lizas? Vejamos.{10}

Fiz por definir os contendores. Agora vamos vel-os em campo.

Confessa o sr. Ortigão que, apenas obtida a carta do sr. Anthero, a folheara guloso e açorado; e que começara a lel-a pelo fim. Causou-lhe profunda magoa—diz elle—ver phrases insultuosas e provocadoras... E continua em estylo de dom cavalleiro, provocador e insultuoso, que não tem duvida em se arriscar no dissaborido jogo da tapona comtanto que, antes d'isso, o deixem tornear periodos de sympathica energia.

A mim pasmou-me tanto o novo modo de argumentar, que por pouco não deixava passar a desgraçada contradicção em que o nosso critico se precipitara. Engalfinhado no perfido desfecho da carta, e vencido da justa colera, que assalta as almas generosas em lances taes, esqueceu-se por força de que esse desfecho não é mais do que uma logica e necessaria deducção dos principios largamente expostos antes, principios, que permaneceram inabalaveis, embora a pesada indignação do sr. Ramalho lançasse pelos ares, esphacelada, a malaventurada conclusão. E permaneceram inabalaveis, porque elle, longe de os destruir pela raiz, perfilhara-os no seu folheto.

Uma vez provado que o illustre critico lavrou, á sua parte, titulos de futil, deshonesto e tonto ao eximio poeta dos Ciumes do bardo, mais digno por certo de respeito e acatamento, ha de admittir-me sem contestação, a não intervir algum desmoronamento no intelecto nominal, que tambem o não admira, nem respeita, nem estima; que está plenamente de accordo com o sr. Anthero; que se contradisse emfim.

Mas, para que o aranzel não vá de longo fastidioso, convido-te, meu paciente Castello-Branco, a abrir o folheto, que se intitula—Litteratura d'hoje.

Tu me dirás se pode levar-se a serio que um homem, que presa sua boa nomeada, não tema expor ao confronto{11} as insultuosas, empeçonhadas e, ao mesmo tempo, divertidas paginas, que se referem ao sr. Castilho, com a pagina 36, retezada de nobre e dramatica indignação com que o auctor se desmente a si proprio, condemnando nos outros o mesmo, que elle acaba de praticar, não generosa e varonilmente, mas com a covardia do escarneo, rebuçado em espirito, que, oriundo das bandas d'além dos Pyreneus, gastou nos pincaros da cordilheira, quando a transpunha, frescura, suco e odor.

Pois lá, na boa sociedade, de que nos dá noticias, será uso fallar-se a linguagem do ridiculo e do escarneo a não ser com um futil estonteado[1]?

Pois faz-se espirito á custa do homem, a quem depois se lavra diploma de honesto e grave[2]?

Pois consente-se ao primeiro, que passa, a petulancia de reprehender com arrogante denodo o poeta, o talento, o grande homem, que, mais além, se reconhece digno das honras do capitolio[3]?

Ou é muito extravagante a tal boa sociedade, ou s. ex.ª está perfeitamente concorde com o sr. Anthero, e deve-lhe satisfação da affronta, caso lh'a não tenha já dado.

O que vale é serem estas cousas—não a expressão de um arraigado pensamento—mas, apenas, um culto prestado ás pompas do estylo.

Abria-se-me agora azo de as imitar, blazonando contra a natureza humana em geral, e, especificando, contra a natureza do sr. Ortigão.

Mas, como não sei, digo que préso a nobreza da minha alma e o meu pundonor de cavalheiro. E fica dissimulada a impericia.

Assim vae tudo.

O que realmente me parece digno de notar-se é que,{12} chafurdando em contradicções, tenha ainda folego o sr. Ortigão para as esmerilhar nos outros.

Atropelando desabridamente cortezia e conveniencias começa elle, em termos raivosos e empertigados, a explicar os motivos que levaram o sr. Anthero a louvar no opusculo—Dignidade das letras—o drama Camões do sr. Castilho, que anteriormente, na carta, lhe tinha espesinhado, com todas as obras, em verdadeiro furor de iconoclasta.

Com um pouco menos de apaixonado seria outra e mais decorosa a explicação.

Não concebo a critica sem reflexão e boa-fé. Quem poder dispor d'essas indispensaveis condições leia a carta—Bom-senso e bom-gosto, leia o opusculo; e confronte-os, depois de compulsados em separado. Então verá que nem ha sombras de contradicção.

O sr. Anthero entendeu que estavamos na idade de sacudir tutellas oppressivas; e disse-o, animando a revolta.

Se fez bem ou mal nada tenho com isso.

Na dicta revolta mediu a santidade do idolo pelos milagres feitos, pelas obras, que lhe formavam o pedestal; e não colheu senão—algaravia, estonteamento, banalidade, ninharia; palavras compridas, que deviam de assanhar philantropicos brios.

Mas isto, visto assim syntheticamente, em grande, não quer dizer que não houvesse possibilidade de descobrir-se pela analyse uma formosa baga de ouro num monte de pedregulho; um lado fresco e saboroso num pomo dessorado.

No caso presente havia essa possibilidade; e tanto é certo, que o sr. Anthero no seu segundo escripto, mais propenso á analyse, fez lisongeira e especial menção do drama Camões, que no primeiro tinha sido condemnado de envolta com a generalidade.

Considerou-o no que elle é, e não curou de indagar, como parece, se seria ou não seria original.

Ora nisto subiu de ponto a infelicidade do sr. Ortigão.{13}

O drama Camões—diz elle—é uma simples versão em que o traductor se apartou do original unicamente para lhe interpolar um auto, etc.

E serve-se d'este artificio para fazer cahir em falso os elogios, prodigalisados ao livro.

Mas, admittida tão arrojada proposição, a contradicção, a censurada contradicção, nem sequer fica sendo apparente, porque de todas as obras, que correm mundo com o nome do celebrado cantor da Primavera, foi exactamente essa, que lhe não pertence, a que alcançou os elogios.

A ser como o sr. Ortigão assegura, a que vem aqui a palavra—contradicção?

O elogio era então, quando muito, um medido sarcasmo.

E, se assim o interpretou o illustre critico, que nome inventaremos para o fazedor de taes, tão desazadas e feias piroetas na corda bamba de sua adoutadora phantasia?

Vejo-me obrigado a rematar em poucas palavras para não ser surprehendido pela madrugada no vergonhoso rabusco de materiaes, que têem o condão de fazer saltar aventesmas do mais perfeito interior do meu craneo. Vou pois concluir numa ligeira consideração.

Alcunha-se geralmente de abstruza, por esse douto paiz, a forma adoptada na escriptura pelos poucos mancebos, que tiveram o máo sestro de se fazerem litteratos em Coimbra.

O sr. Theophilo Braga, que, pelos dons do seu brilhante e vigorosissimo talento, obteria hoje, com os seus vinte annos, um dos mais nobres logares nos proprios paizes, como França e Allemanha, em que as artes e as sciencias constituem uma verdadeira religião, tem sido dos mais teimosamente mordidos. Tem sido alcunhado de abstruzo e arrevezado por quasi todos os que sabem emporcalhar com ferretes de tinta qualquer branca mortalha de cigarro. Que a dextra de um principe se acoste a amphora de ouro, perdida em escamas de esmeraldas e outras pedras preciosas, com a impossivel e picaresca tenção de nella sepultar e arrefecer{14} os impetos da milagrosa ebullição de ideias, que, alimentada pelo fogo sagrado do genio, jorra da mente do poeta, pode consentil-o o systema nervoso; mas, que a mão gretada de rabugento chanfaneiro ouse apegar-se, para o mesmo fim, a gordurenta panella de barro vil, é de acordar estremeções e gritos de lastima. Porque o fragil instrumento, estalando em estilhaços, ha de insculpir por força no rosto do sacrilego o unctuoso negrume dos mil fragmentos.

O dó substitue a ira nos que veem.

Não supponho inutil declarar que não vae ahi allusão a determinada pessoa. É outra, mais augusta, a missão da imprensa.

Condemnemos—como diria um orador parlamentar, que eu conheço—condemnemos as panellas, com toda sua garridice, a um ostracismo litterario. Desterremol-as para local, que lhe seja proprio. E levante-se mão d'isto por uma vez.

A nebulosidade, quanto a mim, se é reprehensivel na prosa em geral, tolera-se todavia naquella que, á laia de certas concepções de Egdar Quinet, reveste grandes pensamentos. E, em certo genero de poesia, quer-me parecer que até se torna necessaria.

Dante, Goethe, Hugo e mil outros, cujos nomes posso aprender em qualquer catalogo de livreiro, não são sempre accessiveis á—simples intuição do bello, que é, ignita em todas as almas bem formadas[4].

Se as palavras abstruzo, extravagante, que se catrafilassem ao nome de cada escriptor fossem uma reprovação, grandes reputações teriam de mergulhar no esquecimento.

Por mim, gosto de ver transluzir através de um véo, como mysterioso e encantado, as imagens, as concepções, os formosos sonhos do poeta; e estou quasi inclinado a crer{15} que ha sobeja e singular estulticia na cabeça, que pretender a poesia judiciosa como um artigo de fundo, e transparente como um vidro de lampadario.

M. Magnin nas suas Coseries litteraires prova, bazeado em estudos psychologicos, que a natureza da poesia, no momento de sua manifestação, est d'étre folle ou, tout au moins, de le paraitre—como elle mesmo diz.

Racine, o proprio Racine—falla M. Magnin—antes de suas audaciosas sublimidades virem a ser, com o tempo, a linguagem da razão, não se salvou da denominação de extravagante, que os espiritos prosaicos lhe davam prodigamente, nem, tão pouco, dos acerbos remoques dos que se persuadiam oraculos do bom-senso e do bom-gosto.

Não sei se isto terá todo o cabimento no caso presente.

A tua opinião, Castello-Branco?

Eu, se podesse ter opinião, havia de aproveital-a para me chegar a convencer de que estou com geitos de escorregar nos lanzudos braços do somnifero deos.

Surprehendido, com o desfecho, fazes-me naturalmente as seguintes perguntas:

—Então isto acabou?! Mas que significa isto? Que novos mundos queres desencantar com as farfalhices do teu arrazoado? Que intenção é a tua, além dos prazeres do mexerico?...

—Immortalisar-me, está visto—respondo eu, com a pressa de quem deseja asssignar-se

Teu amigo

A. do C.

 

Coimbra, janeiro de 1866.

[1] Litteratura d'hoje, pag. 16, 17, 18, etc.

[2] Obr. cit., pag. 15, 16, 17, 18, etc.

[3] Obr, cit., pag. 31.

[4] Litteratura d'hoje.






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Foundation as set forth in Section 3 below.

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or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.


Section  2.  Information about the Mission of Project Gutenberg-tm

Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers.  It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.

Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come.  In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.


Section 3.  Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation

The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service.  The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541.  Its 501(c)(3) letter is posted at
http://pglaf.org/fundraising.  Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.

The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations.  Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
business@pglaf.org.  Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at http://pglaf.org

For additional contact information:
     Dr. Gregory B. Newby
     Chief Executive and Director
     gbnewby@pglaf.org


Section 4.  Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation

Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment.  Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.

The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States.  Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements.  We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance.  To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit http://pglaf.org

While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.

International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States.  U.S. laws alone swamp our small staff.

Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses.  Donations are accepted in a number of other
ways including including checks, online payments and credit card
donations.  To donate, please visit: http://pglaf.org/donate


Section 5.  General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.

Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone.  For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.


Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included.  Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.


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     http://www.gutenberg.net

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